sexta-feira, 31 de maio de 2013
Vazio
“A noite é como um
olhar longo e claro de mulher. Sinto-me só. Em todas as coisas que me rodeiam há
um desconhecimento completo da minha infelicidade. A noite alta me espia pela
janela e eu, desamparado de tudo, desamparado de mim próprio, olho as coisas em
torno com um desconhecimento completo das coisas que me rodeiam. Vago em mim
mesmo, sozinho, perdido. Tudo é deserto, minha alma é vazia. E tem o silêncio
grave dos templos abandonados. Eu espio a noite pela janela. Ela tem a quietação
maravilhosa do êxtase. Mas os gatos embaixo me acordam gritando luxúrias e eu
penso que amanhã... Mas a gata vê na rua um gato preto e grande e foge do gato
cinzento. Eu espio a noite maravilhosa. Estranha como um olhar de carne. Vejo
na grade o gato cinzento olhando os amores da gata e do gato preto. Perco-me por
momentos em antigas aventuras. E volto à alma vazia e silenciosa que não acorda
mais. Nem à noite clara e longa como um olhar de mulher. Nem aos gritos
luxuriosos dos gatos se amando na rua.” (Vinícius de Moraes)
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