sexta-feira, 1 de março de 2013

A trajetória de João Chupel Primo – o morto

Conhecido na região de Itaituba como “João da Gaita”, João Chupel Primo era um gaúcho que migrou por vários estados até chegar à Amazônia e ao Pará. Nas festas, sempre dava um jeito de arrancar algumas músicas gauchescas da sua gaita. Até transformar-se em denunciante, costumava ser visto com desconfiança pelas lideranças que combatiam a grilagem. Dono de uma oficina mecânica em Itaituba, Chupel havia “comprado” uma área de terra no Riozinho do Anfrísio. Para fazer o negócio, fez sociedade com um grupo de pessoas da cidade de Sorriso, no Mato Grosso. O chamado Grupo Sorriso é um dos quatro que loteiam as unidades de conservação, traçando um mapa próprio de registro de imóveis em área pública.  Duas fortes razões – e como ele está morto não é possível saber qual delas pesou mais – levaram Chupel a denunciar um esquema do qual chegou a participar: 1) Em 2011, começou a rarear o ipê no território do grupo de Carlos Augusto da Silva, o Augustinho, que chegou a ser preso pela morte de Chupel, durante a operação do ICMBio e PF, e foi libertado logo depois. Não apenas conhecido, mas temido em toda a região como o mais violento chefe do crime organizado, Augustinho passou a invadir a área do Grupo Sorriso para roubar madeira. Chupel foi tomar satisfações. Acabou espancado. Mais tarde, ele apresentaria às autoridades uma caderneta com manchas do sangue deste dia. No papel, anotações dos pontos de GPS onde a madeira fora abatida em sua “propriedade”. Acuado, Chupel já sabia que não poderia contar com a polícia local. Então, em agosto, procurou o Ministério Público Estadual, em Itaituba. E, em setembro, deu um depoimento à Polícia Federal e ao ICMBio, também em Itaituba. Em uma gravação, que entregou às autoridades, há o seguinte diálogo: Denúncia: João Chupel anotou os pontos de GPS onde havia roubo de madeira. Denúncia: João Chupel anotou os pontos de GPS onde havia roubo de madeira. Augustinho - A polícia tem me ajudado muito! Chupel - É, se eles não viessem ontem aqui, ficava difícil... Foi bom eles terem vindo, né? Augustinho – (...) O comandante tá junto com a gente direto! Chupel - Pois é... Augustinho - Eu tenho que dar um dinheiro pra eles, uns mil, dois mil real.
2) No início de 2011, Chupel perdeu seu único filho, eletrocutado em um torno da oficina mecânica. Em seguida, a mulher o abandonou. Segundo amigos, Chupel concluiu, por um lado, que não tinha mais para quem deixar seu patrimônio; por outro, começou a pensar em sua situação com Deus. Chupel é descrito como um católico fervoroso, com “conhecimento profundo da Bíblia”. Depois da perda do filho, passou a enxergar estrelas nas fotos que costumava tirar do entardecer. Numa viagem de carro, achou que uma delas o acompanhava. Acreditava ser um sinal do filho morto. Nas gravações, ele intercala as denúncias com frases sobre Deus. Chupel estava em busca de sentido, como acontece com tanta gente depois de uma perda. E isso o fragilizou diante de homens como Augustinho. Não há tempo para luto em terras de pistolagem. É assim que João Chupel Primo começa a gravar conversas comprometedoras e a juntar documentação. É assim que ele começa a denunciar a operação criminosa às autoridades. E é assim que ele morre com um tiro na cabeça, a quatro metros de onde o filho perdeu a vida. (Época)

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